Não existe sexo certinho

Amar é encontrar quem compartilhe nossas esquisitices


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Não precisa ser Freud para notar que a sexualidade humana é coisa variada. Quem acha que na intimidade todo mundo é “normal” e “certinho” não percebeu o que acontece no quarto da mamãe depois que se apaga a luz. Ainda não sacou que nós, humanos, somos caixinhas de surpresa e de particularidades quando se trata de sexo – e que isso tem efeito profundo sobre a nossa vida sentimental.

Amar, muitas vezes, é encontrar quem compartilhe ou abrace nossas esquisitices.

Eu releio a frase que acabei de escrever e acho que ela incomodará leitoras e leitores. Ninguém gosta de sentir-se esquisito. Somos todos criados para viver dentro da norma, e tudo que fica fora da norma deve ser suprimido, evitado ou pelo menos escondido – mesmo que isso signifique padronizar coisas como desejo e prazer, que não podem ser regulados, sob o risco de deixarem de existir.

Cada um de nós é portador de uma forma única de erotismo, tão original como a nossa impressão digital. A maneira de sentir tesão e afeto define a nossa identidade e a nossa relação com o mundo e fundamenta a nossa capacidade de amar. Se a gente sai pela vida com a ideia de que precisa caber dentro de um certo padrão geral de comportamento sexual, ou que só podemos nos relacionar com gente que caiba nesse mesmo padrão, estaremos limitando drasticamente nossas chances de amar e ser feliz – pela simples razão de que não existe um padrão sexual que faça sentido na vida íntima de todos.

O padrão sexual é uma abstração tão impalpável (e tão implacável) quanto o padrão de beleza ou o padrão de comportamento. Nossos sentidos reconhecem diversas formas de beleza e nossa humanidade se expressa em diferentes maneiras de ser e de agir. Com o sexo, ocorre a mesma coisa. A diversidade é irrefreável. Forçar alguém numa fôrma sexual, onde ela ou ele não cabe, é a maneira mais segura de sufocar o que mantém essa pessoa viva. Publicamente, a gente pode dizer o que quiser para se adequar ao bando, mas, nos braços de quem nos ama – ou apenas nos deseja –, temos de ser nós mesmos, o que quer que isso signifique.

Quer dizer, então, que no sexo não existe regra nenhuma? Não exatamente. Há pelo menos duas regras que eu sou capaz de perceber. A primeira diz que, se a sua sexualidade lhe causa sofrimento, algo está errado. É o caso de procurar ajuda. A segunda regra diz que, se a satisfação da sua sexualidade implica causar sofrimento involuntário aos outros, você também precisa de ajuda – porque algo está errado. Afora esses dois casos, acho que as pessoas são livres para procurar sua felicidade do jeito que quiserem – o que nem sempre é fácil.

Lembro de uma moça me contar que um amante dela ficou furioso porque ela resolveu se masturbar enquanto eles transavam. O sujeito disse que aquilo sugeria que ele não era homem o suficiente para ela. Esse é o caso típico do cara que tem na cabeça um padrão sobre sexo e quer impô-lo a todo mundo. Não percebe que a transa será melhor se a parceira fizer aquilo que a excita – e que isso abre espaço para ele fazer ou pedir aquilo que o deixa excitado.

Acontece, também, que algumas mulheres se incomodam com as vulgaridades que os homens falam durante o sexo. Muitos gostam de chamar a mulher disso e daquilo, porque isso os excita. Mas a sensibilidade moral antiga (ou o feminismo novo) repele esse comportamento como grosseiro ou machista. É compreensível, mas isso cria um problema: dá para exigir que pessoas tomadas de desejo meçam suas palavras e fantasias como se estivessem jantando na casa da sogra?

Esses dois exemplos refletem as dificuldades que as pessoas encontram para expressar sua sexualidade no cotidiano, mesmo quando se trata de desejos comuns. Imagine o que não acontece com quem sai da caixa e se afasta da curva e resolve buscar prazer e amor em situações (ou com pessoas) que uma parte da sociedade acha inaceitáveis. Nesses casos, é preciso muita coragem para ser o que se é.

Na verdade, todos precisamos de coragem para ser quem somos na intimidade. Em todos nós, foi plantada pela família, pela religião ou pelo convívio social uma palavra de censura e vergonha em relação a nossos desejos. É com essa herança que temos de lidar quando estamos nos braços de alguém tentando apenas ser felizes.

Livrar-se do fardo opressivo da crítica interna e descobrir o que nos dá prazer – aquilo que verdadeiramente nos permite amar – é tarefa para uma vida inteira. Ainda bem que no século XXI há mais espaço do que nunca para que homens e mulheres realizem essa busca essencial.


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Fonte: Época.

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